OS ATRIBUTOS INCOMUNICÁVEIS DE DEUS


              
               As Escrituras Sagradas nos apresentam Deus como um ser glorioso e adornado com os mais sublimes e simétricos atributos. Sublimes pela beleza e excelência de que se revestem. Simétricos porque não conflitam entre si, antes convivem numa harmonia própria da perfeição do ser que os exibe tão solenemente.
               Esses atributos de Deus sinalizam para a pureza absoluta do seu caráter, que o faz, em superlativa tonalidade, ser digno de toda honra, glória, louvor e adoração, não apenas em função dos seus grandiosos atos redentivos espalhados por toda a história, todo o universo, mas, sobretudo, por sua essência de Deus único, vivo e verdadeiro, merecedor, por isso mesmo, da devoção e do culto de todos os seres humanos.
               Ao discorrer sobre os atributos de Deus, a Teologia Sistemática costuma catalogá-los em dois campos distintos: os comunicáveis e os incomunicáveis. Os primeiros são os que Deus compartilha com os homens, não no sentido absoluto, obviamente, mas na proporção exata do que é inerente ao cultivo dos seres humanos. Os últimos, por sua vez, são prerrogativa indisputável do Senhor, somente passíveis de ser encontrados no cerne misterioso e singular do ser divino.
               Como emblemático exemplo dos atributos incomunicáveis de Deus, podemos citar a onipotência, a onisciência e a onipresença. A onipotência significa que Deus detém em suas mãos todo o poder, que o capacita a realizar todas as coisas por ele mesmo preordenadas e, de igual modo, compatíveis com a sua natureza santa, e com a bondade, perfeição e agradabilidade inerentes ao exercício da sua vontade.
               Dentre outras expressões ostensivamente visíveis, a onipotência de Deus prefigura-se, nas Escrituras Sagradas, no fato de Deus ter criado todas as coisas existentes tão-somente com a proferição da sua poderosa Palavra, fazendo-as emergir do nada. Onipotência para criar e onipotência para preservar tudo quanto foi criado. No plano espiritual, vemos a onipotência de Deus atuando na constituição soberana do seu povo, por meio da ação coesa das três pessoas da Trindade santíssima. Dentre a multiplicidade de textos bíblicos que, inspiradamente, chancelam o atributo da onipotência de Deus, um há que o evidencia de maneira absolutamente incontestável: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2).
               A onisciência de Deus sinaliza para o fato de que de Deus detém conhecimento irrestrito de todas as coisas; que, no imenso universo emergido das suas onipotentes mãos, não há nada que escape do escrutínio pleno do seu olhar assemelhado à irresistível chama de um brilhante e inapagável fogo. A onisciência de Deus significa que ele sabe todas as coisas; sonda o profundo e o supostamente oculto de todos os corações; penetra nas regiões mais aparentemente indevassáveis da alma humana, estando todas as cogitações dos homens, conforme bem pontua o inspirado autor da Epístola aos Hebreus, inteiramente expostas e patentes diante daquele em cuja presença haveremos de estar um dia; e a quem deveremos prestar contas de todos os atos que tivermos praticado pela instrumentalidade dos nossos corpos.
               Um ponto importante a ser salientado na matéria relacionada à onisciência de Deus diz respeito ao fato de que a ampla e absoluta ciência que o Senhor tem sobre todas as coisas ancora na verdade bíblica, sobejamente chancelada pela Palavra de Deus, segundo a qual, sábia, santa, soberana e providencialmente, Deus preordenou todos os acontecimentos que se delineiam no universo, conduzindo-os de forma misteriosa, e compatibilizando-os com a sua vontade e propósitos eternos.
               Evidentemente, tais verdades transcendem em muito as possibilidades de um completo entendimento a ser evidenciado por nosso intelecto limitado e comprometido com os devastadores efeitos do pecado, contudo, elas se impõem como a expressão mais exata da Revelação de Deus esculpida em sua suficiente Palavra. A onipresença de Deus, por sua vez, aponta para o fato de que não há nenhuma geografia na qual Deus não se faça presente; nenhum espaço que não comporte o seu estar ali; nenhum ambiente em cujo interior Deus não pontifique como a realidade mais solene e indisfarçável.
               Há, na Escritura Sagrada, uma porção transbordante de singular beleza poética e sublime verticalidade teológica, amplamente consorciadas no tratamento da doutrina da onipresença de Deus. Refiro-me ao salmo 139, no qual, com mente/coração/e escrita supervisionados eficazmente pelo Espírito Santo do Altíssimo, o rei/poeta Davi indaga de modo dramático e retórico: “Para onde me ausentarei do Teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra de sustenta. Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirão, e a luz ao redor de mim se fará noite, até as próprias trevas te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa”. (salmo 139.7,11).
               A força da linguagem bíblica é de tal monta que dispensa esforços interpretativos mais intensos. O ponto central do texto sacro é que Deus está em todos os lugares, sua majestosa presença abarca cada partícula do universo, ainda a mais ínfima e imperceptível aos olhos humanos. Até mesmo no inferno, lugar de horror eterno para onde serão enviadas as pessoas que se esquecem de Deus, recusam-se a se arrepender dos seus pecados, rejeitam a Jesus Cristo e o seu sacrifício redentivo e, ato contínuo, firmam-se numa vida cotidiana matizada por inafastável compromisso com a iniqüidade, Deus se faz presente por meio do exercício santo da sua reta justiça, frequentemente ultrajada pelos que insistem em fazer pouco caso da sua lei perfeita e gloriosa.
               Sim, Deus é onipresente, sendo, pois, inútil, toda e qualquer tentativa feita pelo homem para dele se ocultar; homem que, muitas vezes, presume, tolamente, ser possível eclipsar do Senhor as suas transgressões. Deus tudo pode, Deus tudo vê, Deus está em todos os lugares. Conquanto essas verdades valham por si mesmas e não dependam da recepção acolhedora ou resistente que os homens derem a elas, na condição de Filhos de Deus, nascidos de novo pelo poder do Espírito Santo, benefícios incontáveis traremos às nossas almas e ao exercício cotidiano da nossa vida cristã, se as aplicarmos ao solo concreto da existência, compreendendo-as com as nossas mentes, abrigando-as em nossos corações e, por fim, incorporando-as à nossa vontade.
               Noutras palavras: os atributos da onipotência, onisciência e onipresença de Deus não devem ser para nós mera matéria teológica pronta para ser corretamente repetida num exame de seminário ou, quem sabe, numa sabatina conciliar. Se o for, estaremos conferindo à nossa fé um verniz puramente academicista, frio, sem o calor necessário ao ato/processo da vida em seu fluir cotidiano.
               É neste ponto que conhecimento e experiência, essa legitimamente concebida e não a que se perde no território do subjetivismo mais desgarrado e inconsistente, devem dar as mãos num caminhar coeso e indeslindavelmente solidário. A meditação demorada sobre os atributos de Deus deve levar-nos a extrair significativas lições para a nossa vida espiritual.
               A onipotência de Deus, dentre outros aspectos práticos, deve estimular-nos a uma vida mais intensa de oração, adubada pela firme expectativa de que o Deus das Escrituras Sagradas ainda responde às orações do seu povo. Digo ainda, não porque nutra dúvidas acerca da ação de Deus no tempo presente, mas porque, muitas vezes, corremos o risco de nos relacionarmos com Deus de modo nostálgico, como se o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó não fosse, de igual modo, o nosso Deus, que tem todo o poder, e age, sempre, de conformidade com o conselho da sua boa, perfeita e agradável vontade.
               Outra implicação importante derivada do atributo da onipotência divina é que o nosso coração deveria ser bem menos susceptível ao poder sorrateiro e avassalador da ansiedade que, quando encontra espaço em nossa alma, nela instala o medo, a incredulidade e a desesperança. Um outro ponto evidenciado no atributo da onipotência divina é que ele deve reforçar em nós a inabalável convicção de que Deus controla toda a história, e a conduz de modo a que, no último drama a ser encenado no palco da existência humana, sua absoluta justiça e glória resplandeçam sempiternamente. Por sua vez, a onisciência de Deus deve induzir-nos ao cultivo de uma espiritualidade piedosa, ancorada no cuidado redobrado com as motivações que, enraizadas no solo íntimo dos nossos corações, dizem muito do caráter de genuinidade ou falsidade da fé que dizemos possuir.
               Saber que Deus vê todas as coisas, de igual maneira, deve levar-nos a avaliar o conteúdo profundo do nosso caráter, dado que é exatamente quando estamos sozinhos, no exercício de uma solidão mais rigorosa, completamente distantes de qualquer escrutínio humano, que revelamos, mais profundamente, aquilo que somos em essência. De frente para o realista espelho do olhar onisciente de Deus, a hipocrisia mostra a sua verdadeira face de inutilidade e de auto-engano. Certa feita, o missionário Ronaldo Lidório afirmou que reputação é aquilo que os homens dizem entre si a nosso respeito; e caráter é o que os anjos dirão ao Senhor acerca de nós no dia da nossa morte. Saber que não há nada que se possa ocultar da absoluta ciência de Deus sobre tudo, deveria estimular-nos a ser e a fazer todas as coisas com a nítida convicção de que estamos na presença de Deus. Coram Deo, eis um dos lemas preferidos pelos reformadores.
               O ideário teológico do coram deo compreende o viver cristão como uma integralidade indivisível, sem a canhestra separação entre a dimensão secular e a dimensão sagrada do existir. Conquanto cada ação humana tenha a sua especificidade, todas elas devem ser feitas com o sinete da santidade, e com o fito indesviável de promover a glória de Deus. Assim, a mais comezinha práxis doméstica não é menos santa, por exemplo, que o momento em que um pregador assoma ao púlpito para proclamar a Palavra de Deus. Saber que o nosso Deus está presente em todos os lugares deve impregnar a nossa alma de espanto, admiração e desmedido louvor em reconhecimento da grandeza daquele que nem mesmo os céus dos céus podem conter.
               Diferentemente do homem, ser contingente e rodeado por limitações de toda espécie, o nosso Deus é infinito, a todas as coisas abarca, mas com nada se confunde; em tudo está revelado, mas a tudo transcende. Não é a energia impessoal do panteísmo, nem muito menos o ser apequenado que emerge da Teologia do Processo, mais tarde desembocado na heresia do Teísmo Aberto.
               O Deus onipresente assiste a sua igreja onde quer que ela esteja presente, dado que nela habita, sempiternamente, por meio do seu Santo Espírito. Que, ao meditarmos nessas verdades tão maravilhosas acerca do Deus que nos é revelado pelas Escrituras Sagradas, possamos conhecê-lo mais, melhor, em estrita conformidade com a sua Palavra. Desse modo, o adoraremos, mais e mais, em espírito e em verdade, o serviremos de todo o nosso coração, o amaremos sem reservas e viveremos de modo que lhe seja agradável. Não que sejamos suficientes para essas coisas, mas o faremos pela mediação perfeita de Jesus Cristo e pelo poder do Espírito Santo do Senhor. SOLI DEO GLORIA NUNC ET SEMPER.
                                                                                                       JOSÉ MÁRIO DA SILVA
                                                                                                       PRESBÍTERO

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